Interface
- Comunicação, Saúde e Educação
Press
release, n.50
O fascículo 50 (v.18, jul/set 2014) da revista Interface - Comunicação, Saúde e
Educação aborda em seu Dossiê (Usos e abusos da pesquisa qualitativa em saúde)
o crescente uso, importância e a contribuição da pesquisa qualitativa e de
caráter interdisciplinar no campo da Saúde Coletiva, aprofundando os problemas
e desafios dessa abordagem. Esta temática é aprofundada com os textos dos
autores que participaram da mesa de mesmo tema no VI Congresso Nacional de
Ciências Sociais e Humanas em Saúde (Rio de Janeiro, 2013). Ao apontar alguns
abusos comuns que ameaçam a credibilidade da pesquisa qualitativa, a edição
pretende contribuir para que esta metodologia ganhe força na compreensão dos
processos saúde-doença-cuidado, ampliando o conhecimento do campo mediante uma
adequada articulação teoria e técnica.
O primeiro artigo do Dossiê aponta a necessidade de
associar a pesquisa qualitativa a indagações científicas, ou o diálogo entre
teoria e método para conferir sentido aos “dados”. O segundo ressalta que,
junto com a metodologia qualitativa, os trabalhos de Saúde Coletiva devem
incorporar o mesmo referencial teórico das Ciências Sociais para conceber os
fenômenos sociais (e também naturais) avaliados. E o terceiro reflete sobre
esses problemas que levaram à criação do Guia RATS (Qualitative Research Review
Guidelines) que orienta os autores sobre a estrutura de pesquisas qualitativas.
Os outros artigos de Interface apresentam em comum a
reflexão sobre a necessidade de um novo olhar e de um processo formador mais
criativo para a indução de mudanças na saúde pública. Por exemplo, o estudo que
aponta alguns problemas relacionados às evidências científicas sobre
intervenções musicais na assistência a pacientes com câncer. Seus autores apontam
limitações na descrição dos recursos e estruturas musicais que poderiam
beneficiar os pacientes e na qualidade dos relatórios de intervenções musicais,
que resultariam na banalização do potencial terapêutico da música e limitação
de sua incorporação na prática clínica.
Outro estudo aponta as dificuldades de contato e
comunicação entre os imigrantes bolivianos, muitos deles com dificuldade até de
falar a língua portuguesa, e trabalhadores do Programa Saúde da Família no
bairro do Bom Retiro, na capital paulista. Para vencer essa dificuldade, foram
apontadas estratégias variadas, como a contratação de agente de saúde
boliviano, produção de material educativo em língua espanhola e utilização de
"rádios bolivianas", capazes de traduzir-se na melhoria do serviço em
saúde.
Outro estudo foi realizado em uma comunidade tradicional de
quilombolas em Tijuaçu, Senhor do Bonfim (BA), visando integrar a produção
agrícola local, atualmente desestimulada pela ameaça ao domínio de seus
territórios e ao precário acesso às políticas públicas, ao Programa Nacional de
Alimentação Escolar. O estudo realizado na comunidade avaliou as perspectivas
de sucesso do programa, destinado a garantir a segurança alimentar e
nutricional e gerar renda às famílias e desenvolvimento local.
Os referenciais teóricos e seu impacto no cotidiano de
trabalho foram o tema de outro estudo realizado com nutricionistas
participantes de grupos educativos voltados para a promoção da saúde em São
Paulo e Bogotá, cidades que têm em comum um aumento das taxas de doenças
crônicas não transmissíveis (o que exige ações de prevenção e tratamento). As
entrevistas com os profissionais mostraram que o momento é de transição de uma
abordagem tradicional, focada no conhecimento científico, para outra mais
humanista, que leve em conta as singularidades de saúde e de vida das
populações atendidas por esses grupos.
Mudanças nas concepções dos profissionais de saúde também
são apontadas como necessárias em outros artigos selecionados para a
publicação. Em pesquisa realizada com preceptores e alunos de odontologia, foi
avaliado o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde),
instituído na Universidade de São Paulo, voltado para a integralidade do
cuidado. O trabalho indica esse tipo de programa como um modelo de formação
capaz de desenvolver nos alunos a valorização do setor público e a
sensibilidade social, sem negligenciar a qualificação técnica.
A necessidade de integrar a prática odontológica ao
estudo acadêmico também foi levantada em outro artigo com futuros
cirurgiões-dentistas, matriculados na Universidade Estadual de Montes Claros
(MG). A pesquisa buscava conhecer as expectativas e compreender as percepções
dos acadêmicos em relação ao atendimento dos pacientes vivendo com HIV/Aids.
Embora todos tivessem informações teóricas adequadas sobre o vírus, foi
constatado que ainda estão em vigor muitas representações estereotipadas de
medo dos pacientes, traduzidas na tendência em superestimar os riscos de
transmissão.
A saúde mental foi tema de três artigos nessa edição de
Interface, objetivando refletir sobre as mudanças no cuidado às pessoas com
distúrbios psiquiátricos. Um deles sobre a formação profissional e a prática dos
acompanhantes terapêuticos, profissionais que auxiliam no processo de autonomia
dos portadores desses distúrbios na Grande Vitória (ES). A atividade, ainda
pouco conhecida, é realizada principalmente por mulheres graduadas em
psicologia e se apresenta de forma pouco estruturada no serviço público,
tornando-se difícil oferecê-la aos usuários.
Em outro artigo, foi enfatizada a necessidade de
supervisão clínico-institucional de um grupo de trabalhadores de uma rede de
saúde mental em um município de pequeno porte do interior do Nordeste, como
ferramenta de educação permanente e espaço para o diálogo e a cooperação entre
diferentes profissionais, serviços e gestão-administração. Nas entrevistas,
foram evidenciadas as expectativas do grupo em relação à supervisão, parte
voltada a um modelo mais hierárquico de saberes e parte para um modelo de
inspiração mais humanista e participativa.
A saúde mental também foi tema de uma pesquisa original
realizada no âmbito do Laboratório de Psicopatologia e Subjetividade da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pessoas que ouvem vozes ou que
sofrem de alucinação auditiva verbal. O artigo analisa a troca de experiências
entre os ouvidores de vozes a partir da criação da rede Intervoice, na Holanda,
organização que oferece suporte administrativo e coordena iniciativas em
diferentes países para entender a experiência desse tipo de vivência não
necessariamente como um sintoma de doença mental. Os autores analisaram
postagens de acesso público dos usuários do site Intervoice para entender a
forma como os ouvidores de vozes se expressam e se relacionam no ambiente
virtual, que pode ser uma ferramenta alternativa para o entendimento do
distúrbio.
Antonio Pithon Cyrino, Editor-chefe
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